INSIGHT na imprensa

Cachimbar o fumo da paz

Fumadores e não fumadores, uni-vos!

A co-existência pacífica nos locais de trabalho é possível.

Basta cumprir regras simples

 

O braço de ferro entre fumadores e não fumadores tem provocado algumas dores de cabeça a trabalhadores e a gestores de empresas.

Não tanto pelo fumo que possa pairar no ar, mas sobretudo pela discórdia que se gera ao seu redor.

 

Cada facção luta pelos seus direitos, à sua maneira. A questão que se coloca é: qual, afinal, a melhor maneira? A resposta é simples: a das boas maneiras. Ninguém tem dúvidas sobre a eficácia desta estratégia. É bonita e funciona.

 

"A melhor via é mostrar compreensão. Temos sempre uma pessoa agradecida", argumenta Vasco Soares, psicólogo e director-geral da consultora Insight – Psicologia e Recursos Humanos. Mas não é preciso ser especialista em comportamentos para defender esta teoria. Paula Bobone, autora de livros Socialmente Correcto e Profissionalmente Correcto, sabe por experiência própria que "quando as pessoas são bem educadas recebem o respeito das outras ".

 

Na opinião desta especialista em etiqueta, quando alguém se sente incomodado com o fumo alheio, não deve pedir que se apague o cigarro. O ideal é dar ligeiros sinais de desconforto. Mas seria suposto não se chegar a esta situação. "O fumador deve ter sempre a delicadeza de perguntar se pode fumar e abrir janelas ou tomar outras medidas para arejar o ar", defende Paula Bobone. A boa educação é a arma mais eficaz para a harmonia entre fumadores e não fumadores, em todos os locais, incluindo empresas.

Principalmente naquelas em que não há um regulamento oficial que dite as normas sobre o tabaco nas instalações.

 

A arte de saber ouvir

Ana Patrícia Coelho é account agência FCB, onde "reina a lei da razoabilidade". Esta publicitária fuma no seu lugar "quando os vizinhos do lado não se importam". Quando estes dizem que não, "tenho de ir para a zona de cafés", explica. "Num local fechado pergunto sempre se posso fumar".

Por isso Ana Patrícia Coelho não se recorda de nenhuma experiência desagradável relacionada com o fumo dos seus cigarros. E se proibissem fumar em todas as áreas da agência? "Durante uns tempos andaria mesmo muito desconcentrada", supõe.

 

Do outro lado da questão está Marta Coelho, outra publicitária. "Não sou uma não fumadora radical, mas incomoda bastante", explica esta copy da agência G (ex-Grafe). "Principalmente quando há algum trabalho em conjunto e eu tenho de estar sempre a pedir para baixarem o cigarro e desviarem o fumo". O sociólogo Rui de Moura defende que "as lideranças são sempre as principais responsáveis" de situações como esta. E o psicólogo Vasco Soares subscreve: "As leis informais dão origem a conflitos." Defende Rui de Moura: "Em companhias como a BP Portuguesa estes conflitos não se verificam porque há uma cultura de empresa muito fortes."

 

O sociólogo sublinha a eficácia das empresas democráticas, tão habituais na Escandinávia, onde "há aceitação de comportamentos colectivos porque as regras são previamente discutidas por todos." Paula Bobone também partilha da opinião de que "as empresas deviam perguntar a todos os trabalhadores (fumadores e não fumadores) o que eles propõem porque este é um problema real". Satisfazer todos é quase uma utopia daí que tantos gestores optem por proibir terminantemente o fumo dentro das instalações. A editora Impala é talvez o caso mais conhecido em Portugal. Dirigida pelo ex-fumador Jacques Rodrigues, foi das primeiras empresas a proibir o tabaco.

A excepção nasceu depois de Luís Represas exigir fumar uma cigarrilha durante uma entrevista. Nesse dia a entrevista esteve a ser feita no automóvel do músico, mas a partir daí passou a poder fumar-se na sala de reuniões principal da empresa. No quotidiano todos os trabalhadores que queiram fumar, têm de sair à rua passando pelo desencorajador relógio de ponto. Na Microsoft já é proibido fumar nas instalações desde 1990, mas existem lugares abrigados no exterior, com cinzeiros.

As novas instalações da Vodafone, no Parque das Nações, já foram desenhadas a pensar nos colaboradores que fumam. A legislação tende a obrigar a existência de espaços próprios para fumar, com ventilação adequada.

 

A IBM assumiu essa tendência. Ninguém pode fumar no edifício, incluindo visitantes, mas há um espaço interior com extracção apropriada onde se pode saciar o vício sem ter de enfrentar uma espessa nuvem de fumo.

 

Após definida a política a adoptar, há que fazê-la cumprir evitando situações que cheguem a ser caricatas.

O técnico de áudio Filipe Capitão trabalha numa grande produtora em que, nos corredores, por baixo dos sinais que proíbem fumar, há cinzeiros.

Como não pode fumar no gabinete, é nesses corredores que Filipe Capitão alimenta o vício. "A ansiedade é tanta que tenho de sair, o que obriga sempre uma quebra naquilo que estou a fazer", admite. Fumar frente a um sinal de proibição enquadra-se no estilo "Portugal no seu melhor", mas é um acto generalizadamente aceite naquela empresa.

Este técnico de som reconhece que "há sempre alguém que se queixa do cheiro a tabaco nos corredores", mas "enquanto a empresa não retirar os cinzeiros (que existem até no refeitório)", vai aproveitar para fumar sempre que poder. Posição semelhante tem Pedro Coelho, director da revista Executiv Digest.

 

O seu gabinete fica num piso que funciona em open space e no qual se decidiu, em conjunto com outras revistas, que não se fumaria. Mas Pedro Coelho é dos que pontualmente fura o acordo. Porquê? "As decisões sobre esta matéria estão a depender do estado de graça de algumas pessoas." O jornalista garante que "assumiria com facilidade a proibição de fumo neste edifício, incluindo bar e gabinetes de directores".

Admite: "Iria custar-me muito, mas interiorizaria essa imposição se fosse assumida por todos e em qualquer lugar." Este é um bom exemplo de quem nem sempre é possível reunir um consenso, sem que haja uma intervenção oficial dos gestores de topo. Uma questão de cultura empresarial.

 

Agradeça por ter um espaço

O presidente da Euro, RSCG, Ricardo Monteiro, sabe disso e sabe que as medidas são para cumprir.

No final do ano passado, quando se deixou de poder fumar na agência de publicidade que dirige, ainda havia muita gente a "esquecer-se" de cumprir a nova regra: não se pode fumar nos espaços comuns, à excepção dos corredores e do piso da recepção.

Ricardo Monteiro não fechou os olhos a quem furava o acordo.

 

Dizia-lhes: "Para continuares a poder fumar dentro desta empresa era bom que não fumasses aqui." Uma chamada de atenção aplicável a todos os fumadores que têm a sorte de ter próximo de si um local onde fumar.

Se é dos que têm essa sorte, aproveite-a. Já diz o ditado que, por vezes, quem tudo quer, tudo perde.