INSIGHT na imprensa

Crianças. Psicólogos detectam medos e personalidades nos traços - O que este desenho diz do seu filho

FASTASMAS E CASTELOS ASSOMBRADOS
PODEM INDICAR MANIA DA PERSIGUIÇÃO.
CASAS COM BONECOS SÃO, NA MAIORIA,
REFLEXO DO AMBIENTE FAMILIAR. É UM
MUNDO DÍFICIL DE COMPREENDER E CADA
VEZ HÁ MAIS PSICÓLOGOS A TRATAR DO
ASSUNTO.

 

Por RAQUEL LITO

É o bê-á-bá dos desenhos infantis: onde há bonecos e uma casa há, uma representação simbólica da família. E a da Sara não se apresentava propriamente feliz naquela folha A4. O pai aparecia distante dos outros, assumia grandes dimensões e estava pintado de verde. A mãe era pequena, apagada, quase imperceptível num amarelo-pálido. Os dois filhos (nenhum tinha rosto definido mas Sara era um deles) ajudavam-se mutuamente dando as mãos. Era assim que ela vivia a família real, oposta à família ideal noutra folha A4. Desenhados a caneta de feltro, os pais perfeitos tinham a mesma altura, olhos e boca, estavam próximos dos filhos e, ao longe, avistava-se uma casa. Havia ali uma disparidade preocupante.


À segunda consulta, a psicóloga Celina de Almeida, também formadora de cursos de interpretação de desenhos infantis, aplicou o Teste do Desenho da Família (comparação entre a real e imaginária para avaliar a projecção dos familiares), criado em 1964 pelo especialista Louis Corman, na tentativa de chegar ao verdadeiro problema daquela criança de 5 anos. Pensavam os pais que se tratava de mais um caso de insucesso escolar, mas a apatia e a desmotivação de Sara tinham origem em casa. "Os pais estavam em processo de divórcio", conta a especialista à SABADO.

 

LINHAS RECTAS PODEM REVELAR AGRESSIVIDADE; CURVAS SUGEREM IMAGINAÇÃO E SENSIBILIADE

 

Sem saber lidar com a situação, a miúda mostrava " sentimentos negativos e desconforto". Não sabia verbalizá-los, o que é natural nesta idade. E foram os desenhos que serviram como instrumento de terapia, nas consultas semanais, ao longo de oito meses.


O tema desperta cada vez mais curiosidade entre psicólogos e educadores, segundo Celina de Almeida, que nota um aumento de procura nos cursos que lecciona. Os primeiros estudos de pedagogos datam do fim do século XIX os psicólogos tentaram explicar os medos e personalidades através dos traços, porque o próprio risco é um potencial reflexo de ansiedade.

O débil e curto pode ser indicador de "timidez, insegurança", o forte e amplo "pode significar audácia, segurança", diz Sofia Faria, investigadora nesta área no Instituto Piaget. Linhas rectas são eventuais marcas de espírito de iniciativa e agressividade; curvas denotam imaginação, sensibilidade e baixa autoconfiança; verticais podem indicar dinamismo; horizontais conflitos psicológicos; em ziguezague, instabilidade. A especialista frisa que nada disto é taxativo na primeira análise, que deve estar associada à terapia.


De relance, os desenhos de Tomás, 5 anos, não apresentam preocupações de maior, diz Celina de Almeida. São típicos da idade: lá está a casa a representar as relações familiares, aparentemente normais, dois bonecos que simbolizam a mãe (à esquerda) e ele próprio em tamanho maior – o que indícia a falta de noções de perspectiva. O perfil corresponde ao descrito pela mãe, Ana Cristina Fialho, 46 anos, que traça um retrato favorável. "O meu filho é extrovertido, nunca faz birras."

 

HÁ INTERPRETAÇÕES PSICANALÍTICAS que não reúnem consenso, como as que constam no livro O Desenho Infantil (1974) de Florence de Mèredieu. Para a autora, os rios e lagos são um "desejo inconsciente" de "descobrir a paz das águas intra-uterinas". Outros estudos (abusivos para alguns psicólogos) tentam decifrar as árvores e casas. As árvores de tronco baixo revelam fraqueza, ao contrário das que têm tronco alto. As casas pequenas significam introversão.


Nada disto preenchia o desenho livre de João. Aos 6 anos, só pintava motivos sombrios, até o fundo da ilustração estava riscado a lápis de cera preto. A estrada ia desembocar num castelo assombrado, havia fantasmas a gritar e árvores partidas. Perante o cenário, Celina de Almeida percebeu que o miúdo tinha pensamentos persecutórios. A isto, juntava-se baixa auto-estima, falta de rendimento escolar e dificuldade em relacionar-se. A base dos problemas era, porém, a relação com os pais, "que não o valorizavam nas conquistas, só nos erros", explica.«

 

Já a demonstração de força revelada no desenho de André, de 7 anos, (um halterofilista "com muitos músculos", dizia o autor) estava associada à doença. Sofria de hiperactividade, mas aquele desenho já era um progresso. No início das consultas, nem concentração tinha para fazer uma ilustração do princípio ao fim.

Todos os nomes, excepto o de Tomás, são fictícios por se tratarem de casos clínicos.

Todos terminaram a terapia há mais de cinco anos.