Paulo Portas já foi agredido à porta de casa, Pinto da Costa apedrejado num estádio e Manuela Moura Guedes perseguida por um homem com um cão.
Do jornalismo ao futebol, passando pela política e pelas forças de segurança, saiba quem são as personalidades mais detestadas e como lidam com o ódio.
Conheça as causas, os efeitos e os casos clínicos.
Por Raquel Lito
Já recebeu cartas com ameaças de morte. Foi insultada, perseguida, quase atacada por uma multidão. E se tiver de correr mais riscos, paciência – tudo isto faz parte do jornalismo "incómodo", diz. Mas um ódio em especial marcou-a, sobretudo pela persistência. Durante um dia inteiro, para onde quer que fosse, lá estava o mesmo homem de 30 e tal anos, "aparentemente civilizado", a fixá-la nos olhos sempre ao lado de um cão de grande porte. O grand danois aterrorizava mais do que qualquer ameaça verbal, acompanhando-o na perseguição à jornalista até aos antigos estúdios da RTP, no Lumiar, em Lisboa. Nessa altura, Manuela Moura Guedes já tinha a fama se rottwailer da informação e sentiu pela primeira vez a ira de um espectador. Apavorada, pediu ajuda. "Avisei os seguranças, mas ele ficou lá fora", conta à SABADO. O homem não saía do local, à espera de a ver novamente.
Acabou de ter de ser escoltada pelos seguranças até ao carro – a única vez em toda a carreira. Mesmo assim, ele não desistiu: "Tentou impedir-me de sair as RTP." Só quando os seguranças chamaram a polícia é que a situação ficou controlada. "Pediram-lhe a identificação, mas não tinha. Levaram-no para a esquadra, e eu arranquei."
Todos estes anos depois, ainda está por esclarecer o ódio deste homem por Manuela Moura Guedes, 51 anos. "Graças a deus não soube mais nada dele", diz. Geralmente são os homens que mais a detestam por motivos de sexismo, diz o psicólogo Vasco Soares.
O regresso de Manuela Moura Guedes ao jornal nacional na passada sexta-feira, 9 (depois de um longo afastamento, desde 16 de Dezembro de 2005), fez reaparecer alguns ódios – e também disparar o índice de popularidade. Nessa noite, o seu noticiário foi o mais visto do horário nobre, com 1,193 milhões de espectadores (mais 18% do que na sexta-feira anterior e 38% na semana que antecedeu). Mas assim que a pivô anunciou o novo formato, dias antes da estreia, voltaram as mensagens anónimas cifradas, que há anos caem na sua caixa de correio electrónico. São tantas, e tão enigmáticas, que as guarda "para uma eventualidade!".
ESCREVEM CARTAS ANÓNIMAS A DIZER QUE ME QUEREM MATAR", DIZ MANUELA MOURA GUEDES
A experiência e as inúmeras ameaças de que já foi alvo ensinaram-na a ignorar quem a odeia. "Fazem muitas queixas de mim porque encaro o meu trabalho como "doa a quem doer"." E dói mais àqueles que acusa de serem "racistas". Sempre que apresenta uma reportagem sobre minorias étnicas já sabe a reacção. "Escrevem cartas anónimas a dizer que me querem matar. Nem faço queixa, porque quem quer fazer mal não ameaça." Outros, sem motivo aparente, ligam-lhe de forma anónima para casa, durante a madrugada. " Um dia disse à pessoa que ia descobrir quem era, através da polícia. Ficou aflita."
MANUELA MOURA GUEDES desperta tantos ódios que alguns chegam a ser patológicos. Um deles foi diagnosticado a tempo pelo psicanalista Carlos Amaral Dias: "Psicose Esquizofrénica", disse ao paciente, perante as reacções estranhas que relatou nas consultas semanais. "Fazia um filme mental à volta da pivô, chegou a pensar persegui-la", explica o especialista. Se a jornalista dava um sorriso para as câmaras, estava a gozar com ele; se fazia um gesto, estava a insinuar qualquer coisa. A sua mania da perseguição exigiu um tratamento de quatro anos. "Está curado".
Com mais ou menos fair play, muitos afastam-se da jornalista. Os políticos evitam ser entrevistados por ela ("Santana Lopes não quis", garante), os colegas olham-na com desconfiança e uma fracção do público não tolera a forma como apresenta o noticiário.
Há até quem a deteste por razões clubísticas, quando anunciou várias irregularidades no Sporting, numa reportagem para a RTP nos anos 80. Os adeptos não perdoaram e, ao reconhecerem-na numa rua próxima do estádio de Alvalade, correram na sua direcção. "Tentaram abanar o meu carro, mas escapei."
O ódio é inato no ser humano e até freudiano – o complexo de Édipo parte deste sentimento pelo pai. Numa primeira fase, pode desencadear várias reacções fisiológicas: aumento do ritmo cardíaco, suores frios, irritação, dores de cabeça. Os mais reprimidos"transmitem essa carga emocional para o corpo", diz Vasco Soares. E aí surgem doenças como problemas cardíacos ou até cancerígenos. Numa fase posterior (segundos, horas ou semanas depois dos primeiros efeitos), aparecem as respostas violentas "típicas nas pessoas com poucas capacidades de controlo emocional", explica o mesmo psicólogo. Podem ser violência física, perseguição ou até suicídio.
Aproximadamente 20% dos pacientes de Vasco Soares apresentam queixas de ódio. E a tendência é para subir, alerta a colega Beatriz Luna Pais, cada vez com mais casos clínicos. Alguns começam com depressões profundas, que traduzem estados emocionais extremamente graves. "Tenho um paciente que foi despromovido e odeia o actual chefe, e acusa-o de o tratar com prepotência", diz Beatriz Luna Pais. Quando chegou ao consultório, há seis meses, estava à beira do suicídio, frustrado com a situação profissional. Tinham-lhe cortado as viagens para o estrangeiro, a sua única regalia. Mas com psiquiatria e psicoterapia (toma agora antidepressivos) melhorou bastante.
VASCO PULIDO VALENTE, 66 anos, é um pessimista assumido e voltou agora à televisão com a rubrica Glória da Semana, apresentada por Manuela Moura Guedes no fim do novo Jornal Nacional. Más noticias para uns, péssimas para outros, já que o colunista adora utilizar o sarcasmo e não tem problemas em criar inimigos. Ainda há três semanas parece ter arranjado mais um, o advogado Pedro Reis. Ao cruzarem-se no restaurante Gambrinus, em Lisboa, Pedro Reis cumprimentou-o perante uma sala cheia: "Olá, Vasco, como estás?" Nada. "Estás surdo ou quê?" Nada. Perante o silêncio absoluto, o advogado, que pratica boxe, respondeu: "És um parvalhão. Anda cá!" Nenhum deles de mostrou disponível para prestar declarações à SABADO.
Há seis meses, Vasco Pulido Valente analisou o segundo romance de Miguel Sousa Tavares, Rio das Flores, num artigo demolidor no Público. "Vale pouco ou nada como romance histórico, é pobre e vulgar como romance de família", escreveu, dias depois de se ter cruzado com o romancista também no restaurante Gambrinus. Sozinho a uma mesa, chamou Sousa Tavares para lhe apontar 20 falhas históricas do livro, mas o autor reagiu mal (uma velha guerra, que vem desde os tempos do primeiro romance, Equador): "Tu és parvo ou quê? Tem é juízo!" Desde então assumiram publicamente um ódio mútuo, com troca de recados na imprensa.
É raro Vasco Pulido Valente dizer bem de alguém e até os que o admiram, como Manuel Alegre. Já foram atingidos. "Há 20 anos criticou-me e eu respondi e eu respondi num artigo de opinião a dizer que lhe dava umas bengaladas, como Eça. Durante um mês, andou a perguntar aos amigos se era metáfora ou verdade. Disseram-lhe que era verdade e ele ficou preocupado", conta o deputado do PS.
Já disse mal de Cavaco Silva, Clara Ferreira Alves, Manuel Maria Carrilho, Francisco Pinto Balsemão... A lista é interminável. Segundo fontes próximas, Pulido Valente leva uma vida solitária e não se incomoda com os comentários. Ao contrário dos outros colunistas, não levanta obstáculos a que o jornal Público, onde tem uma crónica fixa, publique as cartas de protesto contra os seus textos, que estão entre os mais lidos do jornal.
ALGUNS ODIAVAM-NO há mais tempo. Uma vez, à saída do freeshop do aeroporto, Vale e Azevedo, ainda presidente do Benfica, foi interpelado por uma pessoa que insinuou que ele tinha feito compras com um cheque sem cobertura. O dirigente "deu-lhe um estalo", conta o adepto Jorge Máximo, que acompanhou a equipa e o defendeu. "Meti-me à frente dele, mas só o fiz pelo o Benfica."
Após 50 audiências, a sentença do caso Dantas da Cunha foi finalmente lida, em Outubro de 2006 – Vale e Azevedo foi condenado a sete anos e meio de prisão e a pagar 10 milhões de euros de indemnização. Interpôs recurso, mas não foi aceite. No dia 8 deste mês, Vale e Azevedo deveria ter começado a cumprir pena, mas não apareceu.
A SÁBADO tentou falar com o seu advogado, José António Barreiros, que esteve incontactável. O advogado de Dantas da Cunha aguarda, agora, pelo mandado de detenção. No entanto, os detectives privados que contratou acabam de lhe dar más notícias: o arguido deverá estar em Londres, terá aberto um resort nas Baamas e dificilmente será extraditado para Portugal. Por mais anos que passem, Pragal Colaço nunca perdoará a cuspidela.