INSIGHT na imprensa

Tão pequenos e já no restaurante?

Falta um ano para o António Eduardo começar a frequentar restaurantes. O filho de Margarida Capelo Morais tem 2 anos e só esteve uma vez num restaurante. Foi uma experiência difícil. Tinha um ano e meio e foi com os pais e primos comer fora. Correu tudo bem em quanto a criança estava entretida com os mais velhos. Mas rapidamente se fartou de estar sentada e transformou a mesa num campo de batalha. Agarrou em tudo o que podia: garfos, facas, guardanapos... Quando começou a atirar os livros para o ar, Margarida, de 32 anos, percebeu: aquele não era lugar para ele.

 

A pintora decorativa e o marido nem tiveram tempo de comer a sobremesa. Antes que a birra do sono começasse a sério, saíram do restaurante. Além de não gostarem de ver o filho tão rabugento, sabem bem o quanto isso pode incomodar as outras pessoas. Margarida aprendeu a lição – só quando o filho tiver 3 anos é que repete a saída.

 

Episódios como o do António são frequentes nos restaurantes. Birras, gritos e correrias são um comportamento comum, mas muitos adultos não gostam que a sua refeição calma se transforme num recreio. Um deles é o escritor e comentador Miguel Sousa Tavares que afirmou, no jornal nacional da TVI, que o fumo de tabaco nos restaurantes, que o Governo quer limitar, incomoda menos que o barulho das crianças.

 

O jornalista partilhou até a sua experiência pessoal ao dizer que a primeira vez que foi a um restaurante com os pais tinha 13 anos, O pediatra Paulo Oom não vai tão longe. " Se o dono de um estabelecimento quiser criar um determinado ambiente, mais calmo e sossegado, que não se adequa a crianças, isso não me choca", afirmou à SABADO. E foi isso mesmo que aconteceu em Chicago, nos Estados Unidos.

 

O dono do restaurante A Taste of Heaven, Dan McCauley, fartou-se de ter crianças indisciplinadas como clientes e tomou uma decisão drástica no dia em que apanhou dois miúdos a rasparem a parede. Colocou um letreiro à porta do restaurante: " As crianças de todas as idades têm que se comportar, não gritar e falar baixo quando vêm ao A Taste of Heaven". Caso contrário, o dono do restaurante expulsa-as.

 

MARGARIDA CAPELO MORAIS não concorda com expulsões, mas compreende que o comportamento das crianças pode incomodar os outros. Por isso pôs em prática o que o pediatra Paulo Oom defende. " A idade indicada para levar as crianças ao restaurante é a partir dos 3 anos, porque já comem sozinhas e comportam-se. Essa idas podem até servir como exame para a socialização da criança", defende o médico. As restrições de Margarida não se ficam pelos restaurantes. Os jantares de adultos e festas em casa de amigos não são locais para o António. " Além de desregular as horas de sono, acabamos por não estar relaxados em quanto jantamos", confessa.

Mas a pintora tem muitos amigos com opiniões diferentes. Um casal conhecido até já desenvolveu uma estratégia, que talvez ela utilize daqui a uns anos: leva um DVD portátil para os restaurantes. De cada vez que as crianças ficam mais irrequietas, as birras acabam num instante. Basta ligar o DVD.

 

A jurista Marta Mota Veiga não partilha desta opinião. Desde que os filhos nasceram que vão a restaurantes e outros locais públicos e nunca houve problema. A única vez que Marta ouviu um "xxiiiuuuu" dirigido a um dos seus três filhos foi na igreja. É que para manter Zé, de 2 anos, mais sossegado e em silêncio só com brinquedos.

 

Mas a jurista já descobriu uma missa especial para casais com crianças. Tirando essa excepção, Pilar, de 6 anos, Assunção, de 4, e Zé de 2, portam-se sempre bem e parecem adultos à mesa porque, diz a mãe, foram habituados a frequentar esses locais desde bebés.

 

O pediatra Paulo Oom Vê desvantagens nesta iniciação tão precoce. Porquê?


Os bebés com menos de seis meses que frequentam locais fechados e com muitas pessoas têm mais probabilidade de contraírem infecções respiratórias, defende.

 

TODAS AS SEMANAS a família vai comer fora. "Não tenho com quem os deixar, por isso, levo-os", diz Marta. O psicólogo clínico Vasco Soares entende a posição e não vê problema nisso. "À parte algumas precauções com o tipo de restaurante a que se leva a criança – arejado, sem fumo de tabaco e pouco barulhento -, não há qualquer impedimento." Marta tenta ter sempre isso em mente quando escolhe o local e sabe que as refeições infantis têm de ser rápidas. "Não é possível fazer almoços de três horas com crianças".

 

Mas como é que se mantém uma criança sossegada à mesa? Um estudo da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, analisou como se comportam os miúdos em restaurantes e o modo mais eficaz de lidar com eles.

 

As conclusões indicam que o melhor é conversar e elogiar o bom comportamento. No caso do Zé, quando as coisas não lhe correm como quer – e tem de comer fruta em vez de doce, por exemplo -, usa o amuo como arma.

 

Pelo menos é silencioso. "É uma questão de educação. Os meus filhos sabem como se comportar e repetem no restaurante o que fazem em casa. O que é negativo é ver pais que tentam educar os filhos no restaurante", defende Marta Mota Veiga.

 

O psicólogo Vasco Soares está de acordo. "Não é produtivo humilhar uma criança em público, comparando-a com um primo que se porta bem, ou dizendo que ela é má. Isso não muda a sua atitude e só vai provocar sentimentos de baixa auto-estima e de revolta", diz o especialista.