Basta uma troca de olhares para a mãe, Gabriela, perceber se o dia correu bem à filha Diana. Esta cumplicidade foi-se construindo dia-a-dia e, agora com 11 anos, Diana sabe que nem precisa de dizer o que está mal para a mãe saber. "A mãe é especial, porque posso conversar com ela sobre tudo", diz Diana. Maria Henriqueta, de 52 anos, também tinha essa intimidade com a filha, mas, quando Ana Filipa chegou à adolescência, muita coisa mudou. " Aos 16 anos, ela fechou-se muito.
Só quando sou eu a insistir é que ela se abre um bocadinho", diz. Mesmo assim, a relação com a mãe continua a ser vital. Ana tem uma terapia diária de que não abdica – chegar a casa no final do dia e ter direito a 20 minutos de conversa com a mãe. Nessa altura, a filha de 18 anos desabafa sobre o que se passou no seu dia: o professor chato, o dilema da amiga ou o cansaço dos estudos. Não existe outra pessoa co quem Ana Filipa pudesse ter este ritual, e só há uma restrição: falar de assuntos mais íntimos.
O tema rapazes é algo que a jovem evita. "Não sei porquê. Há coisas que são mais fáceis de contar às amigas do que às mães. Talvez porque sabemos que as mães nos podem dar sermões ou ficar preocupadas e as amigas não..." Muitas mães já sentiram esse afastamento e talvez se questionem: o que é que as amigas têm de tão especial que eu não tenho?
É simples: a mãe é a cuidadora e, perante ela, a filha não quer falhar. Com as amigas não existe essa pressão. "As mães têm uma função de protectoras e não de amigas que deixam fazer tudo", aponta o psicoterapeuta e director da clínica Insight, Vasco Soares.
E vai mais longe: "Quando as mães se querem transformar em amigas, as filhas sentem-se desprotegidas, sem terem alguém que lhes imponha regras." A diferença de idades entre mãe e filha também pode contribuir para que as filhas não façam tantas confidências às mães, defende o psicoterapeuta. Maria Henriqueta, doméstica, e Ana, estudante do 1º ano de Relações Públicas, sabem que há um tema em que a diferença de idades é muito clara: os namoros.
"Para mim, a mulher tem de ser conquistada, os homens é que têm de vir atrás de nós e não o contrário", argumenta a mãe. Já a filha defende que as mulheres devem lutar pelo amor tanto quanto os rapazes. Esta diferença de opiniões pode transformar-se num braço de ferro. "A mãe é um modelo importante, mas, devido à diferença de gerações, compete à filha ir recusando aquilo que a mãe lhe vai impondo. Desta forma cria a sua autonomia", explica o psicólogo Dr. Aires. Mas nem sempre é fácil. COMO FUNCIONAM AS DISCUSSÕES Falar da relação mãe e filha sem mencionar os conflitos é impossível. Em média, mães e filhas discutem de dois em dois dias, enquanto os filhos a cada quatro.
Os dados, que resultam de um estudo da Universidade de Cambridge, de 2004, apontam ainda que as discussões entre as mulheres duram cerca de quinze minutos, enquanto os conflitos entre mães e filhos rondam os seis. Na forma de discutir também há diferenças. No caso das mulheres, indica Sherry Beaumont, professora de psicologia na Universidade Northern British Columbia, no Canadá, as discussões são mais acesas e fortes. Durante os conflitos, as raparigas falam mais depressa, interrompem a mãe e ficam mais perturbadas emocionalmente do que os rapazes.
Os filhos discutem menos, e não ficam tão abalados. A psicóloga Sherry Beaumont defende que os conflitos entre mãe e filha são normais e que, apesar de serem mais intensos, são elas que retâm mais sentimentos positivos depois da discussão. Os temas de confronto podem ser dos mais simples, como os horários de saídas, as tarefas domésticas que ficaram por fazer ou a roupa. Este é um tópico de discórdia entre Ana e Maria, mas o que irrita a filha não é a opinião da mãe, mas a estratégia utilizada: a crítica disfarçada. "Ela nunca me diz que não posso fazer isto ou aquilo, apenas critica, parece chantagem emocional", diz a jovem. Os exemplos são muitos.
Quando Ana quer ir de carro para a faculdade e não de comboio, ouve a mãe dizer "vais gastar gasolina..." Ou então quando vai sair à noite e a mãe atira: "Isto é que são horas de sair..." A troca de palavras menos simpáticas está garantida. Mas Ana tem uma justificação para o comportamento da mãe. "Os pais percebem mais cedo que nós crescemos, as mães não." A professora de linguística norte-americana, Deborah Tannen, escreveu um livro sobre o assunto. "Você Vai Sair Assim? - Como Entender a Relação entre Mães e Filhas", publicado no Brasil, explica o porquê das tensões entre mãe e filha. "A mãe quer ver a filha sempre a melhorar, pode ser na aparência ou nas decisões importantes da vida.
A filha, por outro lado, quer ser vista como perfeita. Como as expectativas são distintas, uma acredita que está a demonstrar afecto ao fazer comentários, mas a outra vê isso como uma crítica", afirmou Deborah Tennen á revista brasileira "Veja". O Dr. Aires dá outra explicação. "Pode haver mais pressão em relação ao comportamento das raparigas, pois as mães vêem as filhas como um prolongamento delas próprias."
OS ASSUNTOS TABU
Maria é divorciada e tem dois filhos: a Mariana de 17 e o Gonçalo de 13. Para esta mãe de 50 anos, é preciso muito jogo de cintura na educação. Especialmente com a filha. "Tento acompanha-la ao máximo e perceber as diferenças entre a minha geração e a dela, mas não posso abdicar dos meus valores", diz. Maria conta que nunca sentiu ciúmes das amigas da filha, nem do namorado. A única coisa que lamenta é que, em determinados assuntos, a filha evite falar com ela. O sexo é um deles. "A Mariana foge à conversa, mas apanhou uma mãe que não o faz", argumenta.
A caixa de preservativos não era propriamente o objecto que Maria estava à espera de encontrar no saco da filha, mas não entrou em pânico. O que não contava era que Mariana tentasse esconder o assunto. "Não tive coragem para lhe dizer...", recorda a adolescente.
Depois do primeiro choque, conversaram e a mãe marcou-lhe uma consulta no ginecologista. Mas este assunto continua a ser desconfortável para a filha. Cada vez que Mariana precisa de uma caixa de contraceptivos, não pede directamente, coloca a caixa vazia na mala da mãe, que entende logo a mensagem.