No BCP, uma pessoa pode ser punida por contar um segredo.
Na política, pode acabar com a carreira por esconder um.
Histórias de confidências bem guardadas e de gente que não resistiu a revelá-las.
As melhores alturas para contar e o que o mistério lhe pode fazer à saúde.
Por Joana Stichini e Raquel Lito
O segredo andou a torturá-la durante 11 anos. Os miúdos provocavam-lhe repulsa e o sexo era um tabu. Claúdia (nome fictício) era dominada por fantasmas e pudores. Ninguém sabia ao certo porquê. Só ela, que guardava o pesadelo das viagens de carro onde o padrasto a molestou dos 7 aos 10 anos. Os abusos sexuais nunca chegaram à violação, mas fizeram danos. Aos 9 anos, deu o primeiro beijo - "porque queria muito" -, mas logo a seguir fugiu. Aos 14, já em fase de desespero, procurou a ajuda de um psicólogo. "Foi mau. Não me senti segura, nem compreendida." Tentou, então, superar o problema sozinha – mas a figura do padrasto continuava lá.
Aos 18 anos decidiu-se finalmente: quis revelar o segredo à mãe. Antes, recorreu a uma amiga para ganhar ânimo. "Tinha receio de me sentir uma puta, pior, que me vissem assim. Mas a minha amiga disse que nada disto mudava a forma como me via." Depois, vieram as dúvidas: como é que a mãe iria reagir? "Foi muito difícil para ela. Na altura, fiquei muito aliviada, mas depois veio uma sensação de vazio." Um ano depois, sentiu-se melhor: não só perdeu a virgindade como as coisas até correram bem. "Hoje tenho relações com muito sexo à mistura."
Apesar de a mãe não se ter afastado do padrasto, Claúdia aprendeu a viver com o passado. Com 28 anos, garante não sentir rancor, mas mantém o temperamento reservado. De vez em quando ainda pensa consultar um psicólogo. "Tenho de estar confiante para não me desiludir de novo."
Claúdia sente-se possivelmente mais leve só com o facto de ter conversado com a mãe. As capacidades terapêuticas de revelar segredos são um tema recorrente da psicologia. James W. Pennebaker, uma autoridade na matéria, fez várias experiências sobre o tema. Numa delas, o psicólogo americano convidou um grupo de pessoas a escreverem segredos numa folha de papel. Foi imediato: a maioria sentiu uma libertação tão intensa que até a caligrafia mudou. Mais tarde, concluiu que a revelação de segredos estava associada ao reforço do sistema imunitário. Por outro lado, quem escondia episódios traumáticos sofria mais de hipertensão e de gripe, por exemplo.
É um risco para a saúde viver em permanente mistério. "Escondem-se sob uma capa de segurança, mas ao fim do dia chegam a casa e confrontam-se com as suas fragilidades", diz o psicólogo Vasco Soares.
Günter Grass refugiou-se na escrita. Isolado na sua casa de Almancil, o prémio Nobel da Literatura de 1999 começou a pôr no papel um segredo com 64 anos: o passado nazi. De pé, com um púlpito à frente ( hábito que herdou das aulas de escultura), escreveu a primeira versão do livro Descascando a Cebola, que sairá em Portugal em Março de 2007. Não recorreu a grandes auxiliares de memória, apenas a um álbum de fotografias e a uma colecção de selos.